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quinta-feira, 27 de abril de 2023

Ditadura a caminho

 O Brasil encaminhou, em mais uma dessas trapaças que colocam as mesas do Congresso entre as coisas mais desmoralizadas da sociedade, um projeto de censura

A Câmara aprovou a urgência do Projeto da Censura | Foto: Reprodução/Freepik


(J. R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S.Paulo em 26 de abril de 2023)

Brasil acaba de dar um dos passos fundamentais que o manual para a montagem de ditaduras apresenta já na sua primeira página — encaminhou, em mais uma dessas trapaças que colocam as mesas do Congresso entre as coisas mais desmoralizadas da sociedade brasileira, um projeto de censura. NĂŁo perca seu tempo achando que nĂŁo Ă© bem isso, porque Ă© exatamente isso. Dizem, Ă© claro, que se trata de uma lei para “combater a desinformação”, acabar com “notĂ­cias falsas”, banir as “mentiras da internet” ou do “noticiário”, e outros disparates. É pura tapeação — aĂ­ sim, notĂ­cia falsa em estado integral. O projeto, no mundo dos fatos concretos, cria e entrega para o governo um mecanismo de censura no Brasil; atravĂ©s dele, o “Estado” passa a dar ordens a respeito do que o cidadĂŁo pode ou nĂŁo pode dizer na internet, ganha o direito de punir quem se manifesta nas redes sociais e transforma num conjunto de palavras inĂşteis, para todo e qualquer efeito prático, o artigo da Constituição Federal que estabelece a liberdade de expressĂŁo neste paĂ­s.

A lei que se propõe para aprovação nĂŁo quer “pĂ´r ordem nessa baderna da internet”, proibir que as pessoas “mintam” ou reprimir a imprensa — ela se destina a calar o cidadĂŁo que quer manifestar o que pensa atravĂ©s das redes sociais. NĂŁo pune, como em toda sociedade civilizada, os atos que uma pessoa pratica — como em toda ditadura, reprime o que ela pensa. NĂŁo tem o propĂłsito de tornar a sociedade brasileira mais limpa, ou mais justa, ou mais organizada, nem de combater os crimes que podem ser cometidos atravĂ©s da palavra livre. O seu Ăşnico propĂłsito Ă© entregar ao governo uma ferramenta de repressĂŁo, para censurar a circulação de pontos de vista ou informações que ele, governo, nĂŁo quer que circulem. NĂŁo tem nada a ver com a ideia de ordem.

Essa ordem já Ă© plenamente garantida pelo CĂłdigo Penal e outras leis em vigor, que punem todos os delitos que podem ser praticados com o uso da liberdade de expressĂŁo — calĂşnia, difamação, injĂşria, golpe de Estado, incitação ao crime, racismo, nazismo, ameaça. Está tudo lá; nĂŁo há nada de fora. O cidadĂŁo brasileiro Ă© responsável, sim, por tudo o que diz em pĂşblico, e nĂŁo sĂł do ponto de vista penal. Está sujeito, o tempo todo, a pagar indenizações e a ressarcir prejuĂ­zos, se a justiça assim decidir. É falso, simplesmente, afirmar que “a liberdade de expressĂŁo nĂŁo pode ser exercida sem limites” ou “ferir o direito de outros” — ela tem limites claramente marcados na lei, e pune quem violar quaisquer direitos do demais cidadĂŁos.

A lei dá a si prĂłpria o tĂ­tulo de “Lei da Liberdade (…) na Internet”, o que já diz tudo. Todas as vezes que se faz alguma lei sobre a liberdade, sem exceção, a liberdade acaba ficando menor do que era, ou some de vez; todas as ditaduras, de Cuba Ă  China, estĂŁo repletas de lei sobre a “liberdade”. No caso brasileiro, nĂŁo há no projeto uma Ăşnica palavra que sustente objetivamente a liberdade de expressĂŁo; Ă© o exato contrário, o tempo todo. O fato essencial Ă© que a nova lei cria um “Conselho”, a ser formado por 21 membros da “sociedade civil”, com o poder explĂ­cito de fazer censura — uma aberração que nunca houve no Brasil, nem no tempo do AI-5. AlguĂ©m acha que esse Conselho, a ser montado pelo governo Lula, vai buscar a verdade, ser imparcial e garantir “a liberdade na internet”?

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