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domingo, 23 de junho de 2024

Escassez de equipamentos faz médicos improvisarem



Recentemente, ganhou repercussão a imagem de um bebê de três meses usando uma embalagem plástica de bolo como respirador. Foi uma forma que a equipe médica encontrou para salvar a vida da criança por falta do aparelho necessário. E salvou. Nesse caso, o hospital Aluízio Bezerra, no município de Santa Cruz (RN), no Agreste potiguar, onde o bebê foi atendido, não é especializado nesse tipo de atendimento. Contudo, outras situações ocorrem nos hospitais públicos por falta da estrutura adequada, levando os profissionais da saúde a superarem as deficiências na tentativa de salvar vidas.

O presidente do Sindicato dos Médicos do RN (Sinmed/RN), o médico Geraldo Ferreira, diz que alguns aspectos dessa dinâmica são crônicos, porque a rotatividade de materiais é alta nos hospitais. Em unidades maiores, por exemplo, são cerca de cinco mil itens, entre equipamentos, instrumentos e medicações.



“É muito difícil você ir a uma unidade que não esteja faltando alguma coisa. Às vezes não são casos extremos, mas são casos lesivos ao paciente”, aponta. Ele cita o exemplo dos fios de sutura no Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel, em Natal, porque “muitas vezes estão faltando fios adequados”.

O médico diz que não é raro que os pacientes voltem a ser operados devido ao uso de fios muito finos nas cirurgias e que, episódios como este, são relatados ao Sindicato com frequência. Além de Natal e da região metropolitana, onde as denúncias apresentadas ao Sindicato podem ser resolvidas ou cobradas com mais agilidade, no interior do Estado a situação se torna mais delicada e a solução demora a chegar. “Quanto mais você vai para o interior, mais a situação é aguda”, afirma o presidente do Sinmed/RN.

O Hospital Regional Tarcísio Maia, em Mossoró, no Oeste potiguar, registra o que o SinMed chama de “casos dramáticos”. O delegado regional da entidade, Ronaldo Fixina, informou ao presidente que as amputações de membros por falta de material necessário para realizar os procedimentos são frequentes. “A situação da cirurgia vascular e da neurocirurgia em Mossoró é preocupante em termos de equipamentos e materiais”, diz Geraldo.

“Faltam as próteses vasculares. Então, como não tem prótese vascular para remendar o vaso, acaba tendo que optar por amputação. É lamentável”, lamenta o médico.

Dentro da estrutura de saúde brasileira ele avalia que “é melhor ter do que não ter” e, por isso, apesar das condições não serem ideais, o atendimento precisa continuar da forma como é possível. “Se você fizer nada, é pior”, frisa Geraldo Ferreira.

A conduta ética do profissional da medicina preconiza que sejam realizadas práticas seguras no atendimento do paciente, mas, em contextos como este, o médico pode ficar sem outras opções e precisam improvisar.

No último mês de abril, junto com o Sindicato dos Profissionais da Saúde (SindSaúde), o SinMed denunciou mais uma vez que o Hospital Walfredo Gurgel estava sofrendo com forte desabastecimento. A reclamação era de que faltavam insumos básicos, como sabão, luvas, gaze, e medicamentos, como dipirona e antibióticos. As denúncias apontavam que o desabastecimento estava sendo comum na unidade, contudo, de acordo com as denúncias, estava se agravando. Na ocasião, a Secretaria Estadual de Saúde (Sesap) informou que o hospital mantinha todas as condições de recebimento à população, realizando mais de 200 atendimentos diários apenas no pronto-socorro.

Situação recorrente
O problema se repete a cada gestão. Em maio de 2015, por exemplo, trabalhadores da saúde realizaram um ato em frente o hospital Walfredo Gurgel, alegando que desde o segundo semestre de 2014, o hospital, assim como outros da rede estadual, sofria com a falta de medicamentos e de materiais básicos. Diziam ainda que, no 4º andar não tinha nem esparadrapo e soro. No CRO (Centro de Recuperação de Operados), faltava até luva de procedimentos. Uma medicação usada para aliviar as dores dos pacientes – Tramal –, estava sendo racionada, sendo usada apenas para pacientes com dor aguda. Em todo hospital, faltava até sabão para uso comum.

Voltando um pouco mais, no início de 2013, a saúde pública estadual virou notícia nacional e não foi das melhores, quando o cirurgião Jeancarlo Cavalcante divulgou o vídeo que gravou da cirurgia em que foi obrigado a fechar o tórax de um paciente com fio de nylon por falta de fio de aço no hospital. À época, Jeancarlo era presidente do Conselho Regional de Medicina do estado. “O tórax está aberto aqui, ó. Tenho que fechar isso aqui com fio de aço. Eu não tenho fio de aço para fechar isso aqui. Como é que eu vou fechar este paciente? Não tem como eu fechar. No Walfredo Gurgel não tem fio de aço. O paciente está aberto e eu não tenho como fechar. De quem é a culpa disso? Fio de aço custa muito barato”, dizia o médico no vídeo.

Após a exibição do vídeo, o médico foi denunciado pelo então secretário de saúde do Estado, Isaú Gerino, ao Conselho Federal de Medicina e ao próprio Conselho Regional de Medicina. A repercussão contribuiu para a a diretora do hospital, Maria de Fátima Pinheiro, pedir exoneração do cargo.

Em vistorias, Cremern constata deficiências

A situação dos hospitais é vistoriada por órgãos que denunciam e cobram melhorias. É o caso do Conselho de Medicina (Cremern), cujo presidente, Marcos Jácome, diz que a assistência da saúde pública no Rio Grande do Norte apresenta inadequações e que o Conselho realiza vistorias diárias dos serviços, cumprindo uma rotina de fiscalizações. Nessas visitas, o Cremern se depara com uma grande quantidade de deficiências, sejam elas de estrutura física, de materiais, de equipamentos ou de falta de medicamentos.

“Verifica-se que alguns profissionais da Saúde buscam superar as adversidades com criatividade, improvisando soluções temporárias para que seus pacientes não venham a ser prejudicados. Neste contexto, alguns médicos tornam-se heróis inventores”, diz Marcos Jácome.

Após perceber inadequações nas vistorias, o Conselho pede que os serviços sejam restabelecidos o mais breve possível. “Quando nos deparamos com não conformidades, estas são incluídas nos relatórios que são entregues aos responsáveis por estes serviços, com prazo para que as deficiências sejam sanadas”, explica Marcos Jácome.

Em Santa Cruz, onde o bebê foi socorrido com um respirador improvisado com a embalagem de bolo, a médica Ellenn Salviano, que acompanhou esse caso, disse que a situação é comum na rede pública e que a medida ajudou a criança a aguardar uma máscara de oxigênio emprestada de outra unidade de saúde para depois ser transferida para a unidade de terapia intensiva do Hospital Infantil Varela Santiago, em Natal.

O bebê havia sido internado com suspeita de bronquiolite e um quadro de desconforto respiratório grave, mas já teve alta. Quanto a esse caso, a Secretaria de Saúde Pública do RN afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que possui, em suas unidades destinadas aos pacientes pediátricos, todos os equipamentos necessários para atender à demanda. A pasta informou que “vai trabalhar junto às secretarias municipais para realizar um levantamento a respeito da quantidade de equipamentos e, após isso, buscar financiamento junto ao Ministério da Saúde para a compra dos materiais a serem distribuídos nas unidades municipais”.

Tribuna do Norte

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