Venezuelanos tentam nova vida em Natal e criticam governo de Maduro - PANORAMA DO ALTO

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sexta-feira, 2 de junho de 2023

Venezuelanos tentam nova vida em Natal e criticam governo de Maduro


Jornada de família venezuelana incluiu períodos em Boa Vista, Manaus e Belém. Eles ainda moraram em Teresina e Fortaleza, antes de chegar em Natal


“Sim, gosto daqui, gosto de Natal”, diz Jesenya Perez, 25, venezuelana indígena Warao, nas poucas palavras que sabe em português. Sua vida na Venezuela era difícil o suficiente para arriscar um longo caminho que durou quase três anos para chegar até o destino final. Junto com o marido, cria os cinco filhos em terras potiguares. Sua família mora no Centro Abrigo Refugiados, localizado no antigo CMEI Marluce Carlos de Melo, em Potengi, com 35 pessoas que dividem o mesmo espaço. Mesmo com as dificuldades de morar em um país estrangeiro, voltar não faz parte dos planos.

As condições de vida dos venezuelanos voltaram a ser tema de debate, após a visita do presidente Nicolás Maduro ao Brasil e as declarações do presidente Lula. “Se eu quiser vencer uma batalha, eu preciso construir uma narrativa para destruir o meu potencial inimigo. Você sabe a narrativa que se construiu contra a Venezuela, de antidemocracia e do autoritarismo”, disse Lula se dirigindo a Maduro. Os refugiados venezuelanos em Natal discordam e reclamam das condições de vida no país vizinho.

A vida na Venezuela não era fácil, relata Mizael Gonzalez, 27, marido de Jesenya. Antes de chegar ao Brasil, ele era pescador e habitava a região norte do país com um grupo que reunia mais de 10 famílias. “Na Venezuela, a situação era muito complicada, não tínhamos como sobreviver. Alimentação e economia era muito pouca, não conseguíamos muito”, relata. Ainda segundo o imigrante, a comida era muito cara e o presidente do país, Nicolás Maduro, “acabou com o povo da Venezuela”.

“Maduro está acabando com o povo da Venezuela. Por isso que estamos saindo de lá, porque Maduro quer acabar com todos os venezuelanos para ficar rico”, diz. O líder do país é acusado de violações de direitos humanos. Entidades como a Anistia Internacional, a Human Rights Watch e a Organização das Nações Unidas (ONU) acusam o governo comandado por Maduro de ser uma ditadura que usa da violência para manter o poder, segundo informações da BBC News.

Ainda que sua vida tenha sido dura, Mizael fala com orgulho de seu país. Diz que é um lugar bonito, rico, com boas pessoas. “Venezuela é um país rico e grande. Tem petróleo, tem óleo, tem diamante”, detalha. A decisão de abandonar as origens chegou, pois eles estavam cansados de “chorar de fome”.

“Com 1 mil já não valia porque era muito caro o alimento. Um quilo de feijão era como 45 reais, um quilo de arroz era 35 reais. Muito caro. Por isso a gente não conseguia”, detalha. De acordo com o pescador, sua família tentava sobreviver da floresta. Trabalhavam duro para conseguir alimento tanto na natureza, quanto fora dela, mas não era fácil conseguir qualquer coisa.

A família chegou em Natal em 2019, no dia 24 de dezembro. A data mais parecia um sinal de que esse era o lugar onde permaneceriam por mais tempo no Brasil. No entanto, o começo não foi o ideal devido ao idioma. “Era muito difícil sair para outro canto, mudar de país. Era muito complicado porque nós somos imigrantes não temos coisas, tipo para falar, entender”, comenta Mizael sobre a dificuldade de se comunicar com os brasileiros, já que sua língua oficial é Warao, de origem indígena.

Essa comunidade tem uma cultura diferente dos demais venezuelanos. Como são parte dos povo originários do país, vivem em comunidades. As crianças, por exemplo, não eram acostumadas a usar roupas, além de serem tradicionalmente nômades. Por isso, é comum encontrá-los vivendo em grupos com mais de uma família. Também costumam ter muitos filhos.

O que eles querem mesmo é ter a oportunidade de trabalhar. Do grupo, atualmente só Mizael tem uma ocupação como pedreiro. Os outros passam boa parte dos dias pedindo dinheiro nas avenidas da cidade. Seguram cartazes, tentam conversar como podem, mas a comunicação é limitada. “A gente sabe trabalhar, mas comunicar, falar, é difícil. A gente também pede dinheiro para comprar as coisas porque precisam as nossas crianças”, diz

Uma longa jornada

Em 2017, com um grupo com cerca de 20 famílias, eles conseguiram um ônibus para sair da Venezuela até Roraima, no município de Boa Vista onde foram recebidos por agentes do Governo Federal. Seus tios, primos e vós estavam juntos na jornada. Por lá, ficaram três meses para organizar a documentação de refúgio. De acordo com a Unicef Brasil, entre 2015 e maio de 2019, o Brasil registrou mais de 178 mil solicitações de refúgio e de residência temporária. A família de Jesenya e Mizael estavam entre essas pessoas à época.

Apesar das dificuldades encontradas como imigrantes, eles não pensam em voltar para a Venezuela


Passaram por Manaus, onde moraram cerca de um ano, com ajuda do aluguel social e de doações de alimentos. Eram cinco famílias, diferentes das que estão com ele atualmente. Depois desse tempo, foram de barco para Belém, no Pará. “Uma viagem de seis dias com fome e com sono para chegar em Belém”, relata. Por lá, encontraram outros imigrantes, mas não foram bem recebidos.

Ainda na cidade do norte brasileiro, moraram em uma casa sem energia durante uma semana. Conseguiram um lugar com eletricidade e permaneceram na cidade por mais um ano. Já no começo em 2019 foram para Terezina, no Piauí. No entanto, não havia lugar para ficar. Na rua, em um lugar que ele descreve como um espaço com “folhas, água, abandonado, com um tráfico que trabalha”, estenderam um papelão e ficaram por uma semana.

Passaram por mais um abrigo, então se mudaram para o Piauí, onde ficaram por cerca de quatro meses. À época, eram por volta de 10 famílias. Conseguiram doações de móveis, eletrodomésticos e alimentos. No entanto, havia alguns desentendimentos entre eles. Um dia, uma das famílias foi embora e levou a maioria das coisas. Foi então que Mizael e Jesenya partiram para Fortaleza, mas não gostaram da cidade e logo saíram para Natal.

A chegada, por mais que mais fácil entre as outras, levou a grandes dificuldades. Desde falta de abrigos, educação e até dificuldade de acesso a saúde pelo SUS, que é gratuito e universal. “Somos estrangeiros. Eu falava 'minha criança está doente, precisa fazer consulta' e o médico dizia que não, porque já estava muito lotado”, conta.

Moraram em Cidade da Esperança de aluguel, também passaram por um abrigo na Avenida Antônio Basílio – que alagou depois de fortes chuvas em 2022, crianças sofreram choques – e hoje estão em Potengi. Em janeiro deste ano uma das crianças pegou rubéola, então todos foram vacinados contra a doença. Já fizeram protestos por melhores condições, mas não pensam em sair da cidade, mesmo com as dificuldades.

Poder público fornece abrigo

O centro é um prédio do Governo do Estado. São quatro banheiros, quatro quartos e uma cozinha. Tem muito espaço aberto, onde as crianças podem correr. Um outro centro com mais 25 pessoas está em Cidade da Esperança. O lugar ainda é precário. Todas as crianças e adultos precisam dividir os quartos. Mesmo assim, ainda é esperado um grupo com nove famílias que devem chegar de Roraima nas próximas semanas.

Um Termo de Cooperação Técnica entre a Secretaria Municipal do Trabalho e Assistência Social (Semtas) e o Comitê Estadual Intersetorial de Atenção aos Refugiados, Apátridas e Migrantes do Rio Grande do Norte (CERAM RN), com a Secretaria Estadual do Trabalho, da Habitação e da Assistência Social (Sethas) definiu os serviços prestados no Centro de Acolhida e Referência para Refugiados, Apátridas e Migrantes (CARE RN).

É de responsabilidade do Governo do Estado a cessão e manutenção do prédio onde está localizado o centro, incluindo o fornecimento de água e energia, mobiliários e equipamentos. A Semtas garante alimentação e material de limpeza e higiene, além de viabilizar a inscrição do Cadastro Único para Programas Sociais e encaminhá-los para serem acompanhados para a rede socioassistencial.

Em Caicó tem-se um caso bem sucedido de imigrantes que hoje conseguem se manter sem ajuda do poder público. Trata-se de um grupo com cerca de quatro pessoas que chegaram na cidade e receberam um auxílio de R$ 1 mil. Com o dinheiro, conseguiram sobreviver, construir uma vida, desenvolver um trabalho e hoje vivem independentemente. Nenhum deles é indígena.

Tribuna do  Norte
 

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